Cadernos de Seguro

Artigo

Trava do crédito: a crise dentro da crise

[B]Lauro Vieira de Faria[/B]

Alguns podem ter previsto a crise dos empréstimos hipotecários ?subprime? em 2007 nos Estados Unidos, mas poucos anteviram a sua severidade. Um número menor ainda previu que tal crise resvalasse, em fins de 2008, para uma paralisia generalizada do crédito, da qual a profundidade e a extensão evocaram o temor de outra Grande Depressão mundial.

Vale a pena, pois, examinar com mais detalhes os fatores por trás de ambas as crises. Seguem três seções: a primeira sobre a crise do ?subprime? de 2007, a segunda sobre a crise atual e a terceira sobre as perspectivas do Brasil.

Existem, basicamente, dois modelos de financiamento hipotecário: i) o modelo de bancos depositários, em que as hipotecas têm como ?funding? recursos emitidos pelos próprios bancos, freqüentemente depósitos de curto e médio prazo e ii) o modelo de mercado secundário (ou de securitização), em que os bancos originam mas não ficam com as hipotecas, vendendo-as para terceiros. Estes se financiam pela emissão de títulos de longo prazo, lastreados nas mesmas hipotecas e colocados junto a investidores institucionais.

Os modelos têm o mesmo objetivo final, mas a divisão de trabalho e a alocação de risco são diferentes. No modelo bancário, os bancos realizam todas as funções básicas de crédito, levantam fundos, examinam a proposta do devedor, emprestam, administram as hipotecas e aceitam a maioria dos riscos. No modelo de securitização, tais funções são descentralizadas, o risco é ?picado?, e o papel dos mercados de seguros e de capitais é essencial.

O modelo de mercado secundário foi desenvolvido nos Estados Unidos na década de 70 como um meio dos bancos minimizarem o risco de taxas de juros (ou de descasamento entre passivos e ativos) através da venda dos créditos hipotecários, que ficavam, assim, ?off-balance?. Ele foi extremamente bem-sucedido na tarefa de expandir o crédito: a dívida hipotecária passou de 46% do PIB em 1970 para 68% em 1999, e saltou para 105% em 2007. A título de comparação, no Brasil, segundo o Banco Central, o saldo de financiamentos habitacionais e imobiliários do SBPE não ultrapassou os 3% do PIB em 2007.

Mas tal expansão foi acompanhada de riscos inexistentes no modelo anterior. De fato, o problema de assimetria de informações é grande no modelo de mercado secundário, devido à partição das funções de originação, administração e ?funding? dos empréstimos. E o problema do risco moral, idem. Nos Estados Unidos, o sistema tem garantia implícita de solvência através das ?Government Sponsored Entities ? GSE?, Fannie Mae, Ginnie Mae e Freddie Mac, que compram cerca de 50% dos empréstimos hipotecários originados pelos bancos e emitem a maioria dos títulos lastreados nessas mesmas hipotecas. Há, ainda, importante mercado de seguros estatais e privados e de agências de classificação de riscos apoiando o sistema de financiamento, porém reforçando o perigo de risco moral. Algumas seguradoras se especializaram em cobrir o risco de crédito no mercado primário de empréstimos, e outras, o risco de crédito dos bônus lastreados em hipotecas e negociados em mercado secundário.

É difícil, no atual estágio da crise, precisar exatamente o que detonou o problema dos empréstimos hipotecários ?subprime?, mas o exame das principais variáveis indica que o mesmo teve início na segunda metade da década de 90, quando começa o ?boom? de preços de imóveis nos Estados Unidos.

Um segundo fator causal da crise teria sido o processo de desregulamentação financeira que teria permitido às autoridades confiarem demais na auto-regulação do mercado. O FED repetidamente negou a existência de bolha especulativa no mercado imobiliário e deu liberdade aos empréstimos. Seu presidente, Alan Greenspan, elogiou seguidamente o desempenho do mercado hipotecário, particularmente sua capacidade de estender empréstimos ?subprime? e as correspondentes inovações financeiras.

Um terceiro fator causal foi a baixa das taxas de juros engendrada pelo FED entre 2001 e 2003 como meio de combater as conseqüências negativas sobre a economia do

12/01/2009 02h54

Por Lauro Vieira de Faria

Economista e consultor da Escola Nacional de Seguros ? Funenseg

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