Cadernos de Seguro

Artigo

Balança invisível sobre o eixo do tempo - O seguro de vida e a morte como elemento sensibilizador

[B]?A morte é alvo de tudo que vive? (Freud)[/B]

A morte não é uma discussão atual. Desde os primórdios da civilização é um tema que, ao mesmo tempo, fascina e aterroriza o homem. Foram muitos os filósofos, historiadores, sociólogos, teólogos, biólogos, antropólogos, médicos, demógrafos, atuários e psicólogos que discutiram o assunto no decorrer da história. Como fenômeno físico, a morte já foi exaustivamente estudada e continua sendo objeto de pesquisas, porém permanece sendo um mistério quando nos aventuramos no terreno do psiquismo humano.

Se, por um lado, a religião traz a ideia de que a vida não termina com a morte, sendo esta apenas uma passagem, um estado transitório, por outro, a ciência acaba contribuindo para o prolongamento da vida, isto é, procura adiar ao máximo o nosso fim. Apesar de todo o esforço da ciência, nossa trajetória por este mundo ainda se restringe a um intervalo finito de duração indefinida, e a angústia da finitude vem e vai ao longo da vida. Para alguns, essa angústia se manifesta apenas indiretamente, como uma inquietação ou busca de sentido no viver, ou surge disfarçada como um sintoma psicológico secundário; para outros, apresenta-se de modo explícito e consciente.

Mesmo sabendo que a morte é destino, ela ainda é vista como tabu, um evento assustador cercado por mistérios que geram inquietações e dificuldades de aceitação. Por que viver se sabemos que vamos morrer? Talvez porque a vida se suceda para encontrarmos o significado da nossa existência, e a morte, para encontramos o significado da vida. O medo da morte é cultural e está, portanto, relacionado ao desenvolvimento do significado da vida.

Discorrer sobre a morte em todas as suas abordagens (cultural, histórica, filosófica, ética, religiosa e psicológica) não é tarefa simples, mas é importante ressaltar que a interação desses fatores torna ainda mais complexa qualquer tentativa de compreender como o ser humano lida com esse fenômeno. Muitas pessoas relatam que raramente pensam sobre a própria morte, e cada um a teme de uma maneira própria. Há os que desenvolvem pensamentos supersticiosos e rituais mágicos; os que têm a crença inabalável em um salvador; os que orgulhosamente confiantes em sua imunidade vivem heroicamente, flertando com os perigos da vida. Reconhecer a angústia da morte e confrontá-la não precisa resultar em um desespero tão grande que possa destruir a vida em vários sentidos. Encarar a morte pode suavizar o terror que ela causa e também pode enriquecer a vida, seja redirecionando nossos planos, resolvendo assuntos inacabados, colocando as coisas em ordem e até tomando medidas práticas para enfrentar esse momento da vida.

Questões existenciais, motivações, escolhas, preferências, sentimentos: quando os profissionais da área de seguros imaginariam que teriam que lidar com temas tão difíceis e inexatos? Sentimentos interferem na economia? Esse assunto é coisa de psicólogo ou de economista? No mundo globalizado, é coisa da interdisciplinaridade, da comunicação e da interação entre os vários campos do conhecimento. Afinal, o ser humano é mesmo complexo, então temos que observá-lo sob seus diferentes aspectos.

O homem é o único animal que sabe que vai morrer, o que causa o chamado medo antecipatório, e seja porque não pode viver paralisado pelo medo ou até mesmo para não enfrentar essa verdade inconveniente, ele criou um mecanismo de escape: o autoengano. Contudo, como é possível uma pessoa enganar a si própria? O autoengano é contraditório por concepção. Para que uma pessoa consiga enganar a si própria é preciso que ela minta para si mesma e, além disso, acredite na própria mentira.

O autoengano também pode ser amplificado, vindo a afetar o mercado de seguros. Por exemplo, para contornar o temor das pessoas ao serem abordadas sobre a morte, esse mercado criou uma interessante estratégia comercial: como o seguro de vida não beneficia quem o contrata, mas somente seus beneficiários, então o subterfúgio é oferecer, adicionalmente, coberturas e serviços dos quais o próprio segurado

12/05/2010 10h41

Por Sérgio Rangel Guimarães

Atuário, Mestre em Economia e especialista em Seguros de Vida ? SITC/Zurique. Professor de Atuária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), presidente do Clube de Seguros de Vida e Benefícios do Rio Grande do Sul (CVG/RS) e membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

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