Cadernos de Seguro

Artigo

SEGURO DE AUTOMÓVEL

[B]Discriminação e singularidade[/B]

Nos idos de 1940, Oliveira e Silva já dizia que, ?no mundo moderno, a vitória do motor constitui a do risco. Torna-se o seguro uma expressão da angústia contemporânea, porque indica a incapacidade do homem para, por si só, contornar ou aliviar o próprio sofrimento?.

São proféticas as palavras da lavra de Oliveira e Silva mas, mesmo que tenha antevisto o efeito que o motor, a velocidade e a automação teriam sobre o cotidiano das pessoas, dificilmente ele teria conseguido imaginar como o automóvel inserir-se-ia e condicionaria o modo de vida dali em diante.

O automóvel, símbolo maior da motorização, deixou de ser um meio de transporte. Imiscuiu-se nas famílias e nas empresas, tornando-se também símbolo de status social, meio de produção, instrumento de lazer e, em casos extremos, membro da família e objeto de adoração. E veja-se que no Brasil, país de contrastes extremos, para muitas famílias o automóvel constitui o principal, senão o único, patrimônio próprio.

Não há como negar que, neste cenário, tem-se o triunfo do risco. Dirigir e conviver com o tráfego de veículos, seja nos aglomerados urbanos, seja nas zonas rurais, implica um extraordinário aumento nos riscos aos quais estão expostas as pessoas e seus patrimônios. Formou-se um mundo em que apenas a insegurança é certa e segura.

Se diversas pessoas expõem-se a riscos de natureza relativamente homogênea e oriundos de circunstâncias fáticas similares, é correto e justo que os custos necessários à reparação dos danos sejam por elas próprias suportados.

Pode-se afirmar então, neste primeiro patamar da presente análise, que os ônus advindos dos riscos inerentes à propriedade e ao uso de veículos não devem ser atribuídos a toda a sociedade e, em contrapartida, não deveriam ser suportados unicamente pelos proprietários, posto que excessivos.

Ideal, por conseguinte, que haja uma forma de distribuí-los (os ônus) entre aqueles que submetem a si e terceiros aos riscos derivados do uso de veículos automotores.

Afora restrições de outros matizes, soluções dessa natureza parecem enfrentar dificuldades em sociedades crescentemente individualistas, materialistas e despersonalizadas, não sendo por sólidos vínculos morais ou religiosos possível que o acordo tácito que permeia esse tipo de ajuste sobrevivesse à circunstância de que muitos pagarão pelas perdas em que incorrem alguns poucos.

No segundo patamar desta análise, propugna-se que os ônus de suportar as perdas oriundas do uso de veículos automotores deveriam ser repartidos entre os proprietários destes, fazendo-o antes de constatadas as perdas.

Para tanto, deve-se considerar o individualismo dominante como um conceito carregado de singularismo, no sentido de que é anseio geral ser igual, sendo diferente; em outras palavras, receber tratamento não discriminatório, mas que considere os atributos próprios de cada um.

Deste ponto de vista, o seguro afigura-se como método propício a que se distribuam as perdas entre aqueles que expõem a si e terceiros aos riscos inerentes à propriedade e ao uso de veículo, mediante o recolhimento antecipado da contribuição necessária para fazer frente às perdas prováveis; fazê-lo de forma a não violar a ideia de não-discriminação e o conceito de singularidade, todavia, é a questão que se põe.

Em outras palavras, se a distinção entre pessoas expostas a riscos semelhantes advém da identificação dessa homogeneidade de base técnico-atuarial, não existe espaço para considerar-se como imotivada ou fruto de pré-conceitos uma eventual diferenciação na contribuição (prêmio) que tais indivíduos devem fazer para reparar as perdas em que incorrerá o grupo.

Sexo, idade, local de residência, tipo de atividade profissional, tempo de habilitação, histórico administrativo disciplinar junto a órgãos de trânsito, por exemplo, dentre vários outros, são critérios possíveis de utilização para fins de mensuração do grupo de pessoas sujeitas a riscos similares.

Neste último e derradeiro patamar destas reflexões, aflora a evidência de que a r

07/06/2011 04h04

Por Marcus Frederico Botelho Fernandes

Advogado, especialista em Direito Tributário, diretor da seção brasileira da Associação Internacional de Direito de Seguros (AIDA) e professor do MBA em Gestão Atuarial e Financeira, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

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