Cadernos de Seguro

Artigo

Função Social dos Contratos de Seguro e Sustentabilidade

O artigo tem por objetivo analisar o princípio da função social dos contratos, incorporado ao direito privado brasileiro pela Lei 10.406, de 2002.

O princípio da função social dos contratos é uma extensão da função social da propriedade prevista no texto constitucional brasileiro e mereceu a princípio, inúmeras e controvertidas análises interpretativas, muitas das quais desprovidas de qualquer ancoragem teórica.

Os dez anos que se passaram modificaram essa compreensão açodada e na atualidade, é possível discorrer sobre o instituto de forma isenta e mais científica. Instrumento máximo da manifestação da vontade individual privada os contratos são agora recepcionados como de interesse social e, quando suas cláusulas por ventura ofenderem a esses interesses deverão ser revistas não apenas em benefício do pactuante, mas em prol de todo o grupo social. A aplicação desse instituto aos contratos de seguro que por essência são contratos de proteção da mutualidade, do fundo comum, é o objeto da reflexão que este artigo propõe.

Em princípio firmados de forma lenta e gradual com o passar do tempo adotaram o estilo da sociedade da produção desenfreada, passaram a ser firmados sem que sequer houvesse leitura prévia de seus termos e, não raro, sem que sequer fossem visualizados. Os contratos acompanharam as mudanças econômicas e sociais e se tornaram contratos de adesão, concebidos por uma das partes contratantes e aceito incondicionalmente, em bloco, pela outra parte que se não agir dessa forma ficará sem contratar. Os contratos de crédito, de financiamento, bancários, de seguros, de aquisição de bens e serviços se tornaram contratos de adesão, ou seja, sem discussão prévia de suas cláusulas, sem ajustes para cada caso específico, sem contemplar peculiaridades, porém muito mais rápidos e capazes de viabilizar operações econômicas antes inacessíveis para boa parte da população.

Se criticados por nem sempre garantirem o equilíbrio entre as partes contratantes, não é menos correto afirmar que os contratos de adesão foram e são fundamentais para socializar operações econômicas, tornando-as acessíveis a todas as camadas sociais. Na busca da garantia do equilíbrio entre as partes nos contratos de adesão a legislação criou mecanismos de proteção à parte fraca nas relações de consumo.

O consumidor no Brasil definido como o destinatário final dos produtos ou serviços tem a seu favor a interpretação mais favorável de cláusulas dos contratos de adesão, entre outras formas de proteção contratual sempre com objetivo de harmonizar as relações e proteger aquele que não redigiu o contrato.

No âmbito dos contratos regulados pelo Código Civil a inserção da proteção causou estranheza inicial porque, em princípio, contratam no âmbito civil partes supostamente iguais e que não precisam de proteção como o consumidor, sempre vulnerável e hipossuficiente em relação ao fornecedor de produtos e serviços. Mas a estranheza não tem fundamento porque desde há muito já era possível perceber que a igualdade formal não contemplava todos os casos da realidade negocial. Ou em outras palavras, não existem partes tão rigorosamente iguais em poder econômico e compreensão intelectual que não precisem ser protegidas de alguma forma para que o equilíbrio contratual prevaleça. E ainda que as partes sejam rigorosamente iguais no âmbito econômico e intelectual, que possam compreender perfeitamente todas as cláusulas contratuais e com elas concordem, ainda assim é preciso proteger a sociedade porque uma única cláusula abusiva terá o condão de potencialmente afetar a sociedade como um todo.

A função social é princípio que limita a vontade das partes com o objetivo de que o contrato seja equilibrado e, ao mesmo tempo, afere se a sociedade estará protegida em cada contrato privado para coibir que uma cláusula abusiva contamine contratos futuros. se a função social dos contratos é instrumento que limita a vontade das partes em benefício delas próprias e de toda a coletividade, não é menos correto afirmar que seu uso indevido pode subtrair a toda a socieda

29/11/2012 04h09

Por Angélica Carlini

Advogada, docente do ensino superior, mestre em Direito Civil, doutoranda em Direito Político e Econômico, diretora Cultural da Associação Internacional de Direito de Seguros (AIDA, seção Brasil), diretora da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

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