Cadernos de Seguro

Artigo

Cláusula Geral da Boa-Fé no Seguro Obrigatório DPVAT

A teoria contratual do século XX foi marcada por dois grandes movimentos:

O primeiro é o que se pode denominar de ocaso do princípio da autonomia privada. Este é fruto, de um lado, da influência de ideias solidaristas e social-democratas e, de outro, da hipertrofia do Estado. Neste contexto, restringiu-se a tal ponto a liberdade de contratar e de estipular o conteúdo do contrato ? dois dos planos da liberdade contratual ? que muitos chegam a questionar qual o espaço relegado à autonomia privada na chamada ?sociedade de consumo?.

O segundo e mais recente ? ao menos no direito brasileiro ? é a superação de uma visão individualista da relação contratual por uma relação de cooperação entre os contratantes. Verifica-se, neste sentido, a superação de uma percepção da relação contratual como sendo um momento de antagonismo entre duas figuras quase ?transcendentais?, o credor e o devedor.

Ocorre que, conforme observa Ian MacNeil, ?contrato entre indivíduos totalmente isolados, que buscam a maximização de seus benefícios, não é contrato, mas guerra? (2009, p. 1). A perspectiva que vem se desnudando, desde a primeira metade do século XX, trata, ao contrário, a relação contratual como uma união de esforços, voltada teleologicamente à realização de um fim que é comum às partes contratantes ? um fim que se sobrepõe ao interesse individual e determina um modo de atuação que permite a realização das finalidades inerentes à operação regulada pelo contrato.

Assim sendo, o contrato passou a ser percebido como uma forma ou instrumento de cooperação voltado à satisfação dos objetivos delineados como o propósito negocial daquela relação jurídica. Sob o aspecto mais pragmático, essa perspectiva almeja materializar os deveres identificados como decorrentes da boa-fé, em sua perspectiva objetiva, como os deveres de informação, lealdade, cuidado, etc., e proteger as legítimas expectativas criadas pelas partes nas contrapartes. Isto é, deve o contrato exercer a sua função social, o que, conforme observa Gerson Branco, implica reconhecer a relação contratual como justa e útil às partes (2006).

Por motivos bastante evidentes, o contrato de seguro obrigatório sempre foi compreendido e analisado como um produto do primeiro movimento, isto é, como uma das manifestações do denominado ocaso da autonomia privada. Com a vigência de um novo Código Civil, no Brasil, a questão que se apresenta é compreender como esses contratos são influenciados pelo segundo desses movimentos aqui já citados. Afinal, de acordo com o Artigo 422, do Código Civil, ?[os] contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé?. Por tratar-se de dispositivo inscrito no Título IV (Dos Contratos Em Geral) do Livro I (Do Direito das Obrigações) da Parte Especial do Código Civil, por uma necessidade lógico-sistêmica, sua incidência alarga-se por todos os contratos em espécie, do qual o contrato de seguro obrigatório faz parte.

A incidência da boa-fé objetiva na execução do DPVAT

Se o artigo 422 do Código Civil impõe a incidência da boa-fé objetiva a todas as relações contratuais, verifica-se que nas relações securitárias essa incidência se faz presente de forma mais intensa. Afinal, não é irrelevante ou meramente redundante o fato de o legislador reiterar tal incidência no Artigo 465 do Código Civil, que assim dispõe: ?[O] segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.? (grifou-se)

Verifica-se, portanto, que a lei reitera e reforça a incidência da boa-fé, em seu aspecto objetivo como parâmetro de conduta, no caso das relações securitárias. Isso tanto na denominada fase pré-contratual (englobando não apenas a conclusão, mas a própria negociação do interesse contratual), como em sua execução. E, mais importante, tal incidência impõe-se em relação à seguradora e também ao segurado ou beneficiário.

Tendo em vista a natureza de s

29/11/2012 05h20

Por Marcelo Davoli Lopes

Advogado, diretor jurídico da Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S.A.

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