Cadernos de Seguro

Artigo

A Constituição da República Como Norteador do Diálogo das Fontes no Direito Civil

Comemoram-se, este ano, dez anos de existência do atual Código Civil, que foi promulgado após vinte e sete anos de tramitação legislativa, tendo sido objeto de diversas críticas, que iam desde a tendência normativa de descodificação, com a criação de microssistemas específicos, como o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, até o fato de o mesmo ter ?nascido desatualizado?, ?deixando à margem temas atuais, como a fertilização, agora a clonagem, o comércio eletrônico, e assim por diante?.

Estes dez anos de vigência do Código Civil serviram para nos mostrar que, diferente das primeiras codificações, ele não tem a pretensão de ser a ?constituição do direito privado?; ?a ideia que o anima é de centralidade do direito privado, articulando-se com as leis extravagantes numa relação do geral para o particular? .

É nesse cenário que surge a necessidade do diálogo das fontes, bravamente defendido pela Professora Claudia Lima Marques , já que entre a normativa geral e as normativas especiais existem tanto convergências quanto contradições. ?O Direito Civil perde, então, inevitavelmente, a cômoda unidade sistemática antes assentada, de maneira estável e duradoura, no Código Civil?.

Nesse diálogo das fontes tem papel fundamental a Constituição de 1988. O intérprete, a partir da promulgação da Constituição da República, ?passa a se valer dos princípios constitucionais, como normas jurídicas privilegiadas para a reunificação do sistema interpretativo, evitando, assim, as antinomias provocadas por núcleos normativos díspares, correspondentes a lógicas setoriais nem sempre coerentes? , como ocorre, por exemplo, entre o Código Civil e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Esse diálogo das fontes norteado pela Constituição tem como princípio maior a dignidade da pessoa humana. Antes de mais nada, é importante salientar que, em que pese à dimensão negativa do princípio da dignidade da pessoa humana, no sentido de funcionar como ?um limite indeclinável para a atuação do Estado? , ele possui uma dimensão positiva que pode ser entendida como o direito de exigir do Estado a proteção dessa dignidade, tendo aplicação, também, no âmbito das relações privadas, sejam elas de conteúdo patrimonial ou extrapatrimonial e, portanto, aplicável à relação decorrente do contrato de seguro, temática desta publicação.

Além disso, é preciso destacar que, se por um lado a Constituição da República traz a dignidade da pessoa humana como ?fundamento basilar da ordem constitucional? e ?diretriz inafastável para a interpretação de todo o sistema? , por outro, ela não abandona o regime capitalista de produção, consagrando a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica.

No caso de conflito entre dois direitos, a tarefa do intérprete é justamente encontrar um ponto de equilíbrio em que se preserve a dignidade humana sem, de outro lado, tolher a livre iniciativa. Conforme bem salientou Bruno Lewicki:

?É, no entanto, preciso recordar a advertência de um dos mais reconhecidos estudiosos da ordem econômica da Lei Maior: ?Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços?. A cada lembrança à livre iniciativa, o Texto Magno emparelha uma menção ao valor do trabalho; cada referência à propriedade privada é seguida por uma outra à função social da propriedade.Se o livre exercício da atividade econômica é assegurado no título que ordena a economia nacional, por outro lado a intimidade e a vida privada (rectius, privacidade) são prestigiadas no título que discorre sobre os direitos e garantias fundamentais?.

Essa ponderação pode ser identificada em dois recentes julgamentos nos quais o Superior Tribunal de Justiça se valeu dos princípios constitucionais para o diálogo de fontes, entre Código Civil e Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Os casos versavam sobre a possibilidade de o terceiro, vítima de um acidente provocado por um segurado, promover ação direta em face da seguradora do causador do dano. No primeiro caso, privilegiando a ampla defesa e o contraditório, princípios estes constitucionalmente assegurados, o STJ

29/11/2012 05h29

Por Mario Viola

Doutor em Direito e Master of Research em Direito Europeu, Internacional e Comparado pelo Instituto Universitário Europeu (Itália). Mestre em Direito Civil e Especialista em Direito do Consumidor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense. É gerente de Projetos Especiais da Central de Serviços da Confederação Nacional de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).

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