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NOTA SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO, e as dimensões legislativa e normativa do fenômeno jurídico

Os menos jovens, que acompanham avanços e recuos da produção normativa nos últimos cinquenta anos, padecem do mal-estar da lucidez.

É que frequentamos, alunos, as Faculdades de Direito e nelas aprendemos sobre a Constituição, as leis e a segurança e certeza jurídicas. Para isso fomos intelectualmente constituídos: viver honestamente, dar a cada qual o que é seu e não produzirmos o mal. Isso dependia de as respeitarmos, a Constituição e as leis.

O pensamento a respeito delas ? rectius do Direito ? vacilou aqui, recuperou-se ali. No passar dos anos, desde a década dos sessenta, vi juristas angustiados com temas como o da inflação normativa, o da autoridade e legitimidade, o do neoliberalismo e agências. E dos princípios. Na década dos noventa, início dela, descobriram Dworkin e Agustin Gordillo sentenciou: violar um princípio é mais grave do que violar uma norma. Desde então, fomos sendo preparados para os delírios do neo ou pós-positivismo, que ? agora percebo bem ? nega o Direito. Os juízes pós e neopositivistas decidem segundo os princípios, aplicando não a Constituição e as leis, mas o razoável.

Vi nos últimos cinquenta anos ? eu já estava na Faculdade em 1959! ? muito acontecer. O contínuo legitimar do Direito, que moderniza, inclusive multiplicando seus ramos. As categorias do Direito Ambiental e do Direito do Consumidor, que em última instância estão aí para legitimar o modo de produção social.

O passar do tempo cassou-me a ingenuidade. Reagi, contudo, e ? copiando um pedaço de um poema de Paulo Mendes Campos ? se multipliquei a minha dor, também multipliquei minha esperança.

Uma breve síntese permitirá a denúncia, ao final desta nota, do que me aflige.

As normas jurídicas são produzidas pelos intérpretes. Texto normativo e norma não se identificam. A norma é produto da interpretação dos textos da Constituição e das leis. Processo legislativo e processo normativo não se superpõem.

A interpretação do direito relaciona duas expressões: a primeira (que porta uma significação) ? expressão original ? é o objeto da interpretação; a segunda, designada "a interpretação", cumpre, em relação à primeira, a função de interpretante. Daí que não se interpreta a "norma"; a "norma" é o resultado da interpretação!

O texto, preceito, enunciado normativo não se completa no sentido nele impresso pelo legislador (e pelo Poder Constituinte). Sua "completude" somente é realizada quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete. Mas o "sentido expressado pelo texto" já é algo novo, distinto do texto ? é a norma.

O texto normativo ? visando à solução de litígios ? reclama um intérprete ("primeiro intérprete") que compreenda e reproduza não para que um segundo intérprete possa compreender, mas a fim de que um determinado litígio seja decidido.
A interpretação jurídica está voltada à obtenção de uma decisão para problemas práticos, consiste em tornar concreta a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação. Daí porque interpretação e aplicação compõem uma só operação: interpretação e aplicação se superpõem.

Daí dizermos que a interpretação do direito opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; opera a sua inserção na vida.

É um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas linguísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo. Meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições, meio através do qual o intérprete desvenda as normas contidas nas disposições.

O intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete "produz a norma". Esse, que de modo acabado a produz, é aquele que Kelsen chamava de intérprete autêntico, o juiz.

As normas, portanto, resultam da interpretação; é a interpretação que confere concreção ao direito.

Em síntese do até este ponto afirmado, temos que a interpretação é uma atividade que se pr

07/12/2012 12h53

Por Eros Roberto Grau

Professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP. Ministro Aposentado do Supremo Tribunal Federal. Doutor Honoris Causa da Université Cergy-Pontoise (França), da Université du Havre (França), da Universidad Siglo 21 (Córdoba, Argentina), da Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Academia Paulista de Letras desde setembro de 2011. Officier da Légion d?honneur e officier da Ordre National du Mérite, condecorações outorgadas pelo Presidente da República Francesa.

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