Cadernos de Seguro

Artigo

Controvérsias

[I]O suicídio e o contrato de seguro[/I]

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 798, determina: ?O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.?

O suicídio, na linguagem dos criminalistas, é um indiferente penal. Significa não constituir fato típico. Ou seja, a norma penal não pune tal ato como infração. Nem tampouco a tentativa. Isto não implica dizer que se trata de ato lícito. É uma conduta contrária ao ordenamento jurídico.

Por outro lado, se a conduta do agente não é punível como crime, crime será a participação em suicídio. Tal participação pode ser moral (induzimento ou instigação) ou material (auxílio secundário). Portanto, aquele que de alguma forma contribuir para a realização da conduta estará cometendo um delito.

Tal conduta, voluntária, contraria a natureza do contrato de seguro, pois subtrai da seguradora o direito de trabalhar com variáveis que podem assegurar uma relativa exatidão das probabilidades de ocorrência, fator indispensável à segurança de todo o grupo segurado: aleatoriedade. Nesse conseguinte, não encontra cobertura em apólice de seguro. Discussões infindáveis surgiram, no campo doutrinário, acerca das interpretações dos conceitos de suicídio voluntário e suicídio involuntário.

No suicídio voluntário o agente comete o ato com premeditação, estando em seu perfeito juízo (circunstância de difícil avaliação). Ele quer a ocorrência do resultado morte. Ele sabia, ou tinha consciência de que estava pondo fim à sua vida. Se com o intuito, ou não, de deixar dinheiro para seu beneficiário, é outra história. O fato é que a vontade de dar cabo à vida só pode ser objeto de prova através de atos positivos do segurado tendentes a demonstrar cabalmente tal intenção. Cartas de despedidas à família, pedido de desculpas acompanhado de instrução quanto à realização de certos procedimentos jurídicos, etc., são alguns exemplos. Cabe à seguradora fazer tal demonstração, se alegar em seu proveito.

Já o suicídio involuntário é caracterizado quando o segurado comete o ato sob violenta emoção ou mesmo levado por circunstâncias outras que lhe subtraem o juízo perfeito, casos de perturbação mental incontrolável, fazendo com que venha a cometer o ato sem se dar conta do mesmo, haja vista a suposta perda de consciência, momentânea ou não. Tudo isso é questão de prova. Primeiro se realmente foi suicídio. Se positivo, intencional ou não.

O seguro de vida tanto pode ter cobertura para morte natural quanto para morte acidental. É comum, em seguro de vida em grupo, constar da apólice uma cláusula chamada de dupla indenização. Ela estipula que o beneficiário, em caso de morte acidental do segurado, receberá o capital destinado à morte natural, em dobro. Ocorre que a jurisprudência entende estar coberto o suicídio involuntário no seguro de acidentes pessoais. Tal entendimento contraria a definição, constante das apólices, que explicita o que seja risco coberto conseqüente de acidente.

Com relação a se considerar a seguradora responsável por pagar ao beneficiário do suicida o valor correspondente à cobertura de acidentes pessoais, entendemos que tal interpretação deva ser revista. Com a nova redação dada para o contrato de seguro, na qual o segurador se obriga a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados, quer nos parecer, salvo melhor juízo, que não mais deverá prevalecer o entendimento jurisprudencial aludido. Ora, se a cobertura de acidentes pessoais, quando prevista, exclui o risco de suicídio, é porque o segurador não se responsabilizou por tal evento. Não é risco predeterminado.

Vamos agora tecer alguns comentários acerca do parágrafo único, do artigo 798 do nosso Código Civil, que estipula: ?Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do se

30/09/2008 03h41

Por João Marcos Brito Martins

Professor da Escola Nacional de Seguros ? Funenseg, Mestre em Direito

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