Cadernos de Seguro

Artigo

Limites da vontade

[B]Irapuã Gonçalves de Lima Beltrão[/B]

Desde a última metade do século XX o mundo tem experimentado uma nova ordem mundial, caracterizada pela multilateralidade, internacionalização das relações políticas e comerciais e por uma crescente integração dos valores econômicos e morais entre os países, com as empresas e atividades não mais se limitando às fronteiras tradicionais.

Em razão da evidente intensificação das relações internacionais, os Estados soberanos não mais podem ou conseguem resolver certas questões e possíveis conflitos do modo tradicional ou unilateral, o que estimulou o aparecimento das mais diversas organizações voltadas para a cooperação e a tomada de decisões em bloco.

A solução pacífica de controvérsias passou a ser o principal ponto dos processos de integração e de regulamentação de setores comerciais de interesse multilateral, já que seria inviável todo este processo de integração e de solução das grandes questões internacionais pelos mecanismos majoritariamente utilizados. Na verdade, são imprestáveis as formas tradicionais para a disciplina dos inevitáveis litígios, a começar pela questão da autoridade responsável e das normas aplicáveis.

Nesse campo fértil e carecedor de novas sementes ressurge a arbitragem como a boa prática alternativa, extrajudicial, de pacificação e solução dos interesses em controvérsia. Em campo negocial encontra largo espaço, já que versa sobremaneira acerca de direitos patrimoniais e disponíveis. Recorrendo aos conceitos clássicos de fundamentação da arbitragem, haverá nos negócios o consenso das partes, que lançam as bases para que um terceiro (ou terceiros) estranho à controvérsia possa atuar, na confiança das partes divergentes, como árbitro.

Por tudo, inicialmente as partes envolvidas devem estar atentas aos limites definidores da sua autonomia de vontades na celebração do pacto pela arbitragem. No mesmo curso, é indispensável que o árbitro efetivamente apontado para um caso concreto diligencie no mesmo sentido, especialmente para verificar se as regras escolhidas pelas partes na convenção não violam os preceitos considerados inafastáveis no território onde a decisão arbitral será cumprida e executada.

Neste campo, considerando a amplitude de envolvimento nos grandes contratos de seguro e resseguro, principalmente pela sua quase certa possibilidade da decisão ter que ser eficaz em países diferentes, cumpre ainda maior diligência. Ainda que orientadas por normas estrangeiras, a sentença e a solução arbitral encontram limites nos preceitos e regulamentações para o setor no território nacional, sendo todas essas normas compreendidas no campo da ordem pública interna, como destacado.

Vale lembrar que, finalmente, caso a questão precise de efetivação de execução no território pátrio, deverão os interessados demandar seu implemento perante um juiz togado que ainda assim poderá se manifestar sobre questões de ordem pública quando da execução de sentença arbitral. Todos os envolvidos podem, não apenas nesse momento, mas anteriormente à conclusão da análise arbitral, solicitar intervenção do poder judiciário local para a concretização de providências instrutórias, executivas ou coativas, na medida do respeito da ordem pública.

Por tudo, considerando que as determinações regulatórias são, pela sua natureza, indisponíveis, vez que de interesse público, não podem ser objeto de arbitragem nem se colocar no âmbito da disponibilidade processual, permanecendo orientadas por todos os princípios e fundamentos que justificaram o aparecimento da função estatal.

06/05/2009 02h35

Por Irapuã Gonçalves de Lima Beltrão

Procurador Federal da AGU, Especialista em Direito Econômico pela FGV ? RJ e em Direito do Estado pela UERJ, Master of Law pela University of Connecticut e mestrando em Direito da linha ?Estado e Direito. Internacionalização e Regulação? pela Universidade Gama Filho ? RJ

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