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O direito fundamental da personalidade - O Seguro DPVAT e o feto natimorto em acidente de trânsito

Em data recente, o 3º Grupo Cível do TJ/RS, em sede de Embargos Infringentes, montado em um único voto da decisão recorrida, por apertada maioria (maioria a nosso ver equivocada, diga-se desde pronto), deu ganho de causa a uma mãe que perdera o feto (natimorto) em aborto provocado por acidente de trânsito, na sua pretensão indenizatória contra o seguro obrigatório de ?Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não?, conhecido simplesmente pela sigla DPVAT.

A jurisprudência predominante no resto do país trafega em sentido inverso, pois consoante o art. 2º do Código Civil, o feto, para se tornar pessoa e como tal adquirir direitos e obrigações, precisa nascer com vida, respirar o ar de fora, o ar comum. O mesmo dispositivo confere uma expectativa de direito do feto desde a concepção, é verdade, mas se não nascer com vida, essa expectativa não se transforma em direito adquirido, não faz do nascituro um sujeito de direitos e obrigações.

O referido acórdão do tribunal gaúcho, portanto, desafia não só a letra e o espírito da lei como a melhor doutrina e jurisprudência sobre o tema, além de conspirar contra princípio maior constitucional da ?Segurança Jurídica?.

Por quatro votos contra três, aquele tribunal determinou que o seguro DPVAT deveria a cobrir a morte do feto, mesmo a despeito de ter ocorrido no recôndito do útero materno, abraçando a teoria conceptualista, em detrimento da teoria nativista, esta última adotada tanto pelo Código Civil de 1916 quanto pelo de 2002. É claro, assim decidindo, aquela pequena maioria o fez em indisfarçável afronta à lei.

É óbvio que a ordem jurídica, por mais aberto que seja o sistema do Código, não se compadece com a decisão daquela ousada maioria, admissível tão somente em sede de discussão doutrinária e de lege lata, isto é, segundo uma lei ainda a ser criada, jamais de lege ferenda, diante da lei vigente, eis que, do contrário, estariam abertas as comportas de um perigoso ativismo judicial, reduzindo a lei a oblívio, a simples folhas de papel em branco, como se de nada valesse todo o trabalho legislativo de sua elaboração, além de verdadeiro menoscabo ao direito fundamental constitucional da separação dos poderes da República.

É falsa a premissa adotada por aquela apertada maioria vencedora no julgamento, ao pressupor já ser pessoa o que ainda não nasceu, olvidando que o fato de a lei garantir o direito do nascituro desde a concepção não lhe dá direitos adquiridos, estes somente alcançados se nascer com vida, isto é, confundiu-se expectativa com direito adquirido, negando também aí vigência à Lei de Introdução ao Código Civil. Chega-se ao ponto de adotar como paradigma a lei de alimentos gravídicos, que reconheceu o direito do nascituro à pensão alimentícia. Aí se vê outro manifesto equívoco dessa pequena maioria, na medida em que, a uma, trata-se de lei específica para alimentos gravídicos, por isso sem aplicação ampla, irrestrita e genérica; a duas, esses alimentos gravídicos são recebidos pela mãe, não pelo feto, tanto que, se este nascer sem vida, os alimentos gravídicos são estancados. Os alimentos que o feto recebe no interior do útero são os nutrientes naturais que a mãe lhe transmite pelo cordão umbilical. Infeliz, portanto, se nos parece, o fundamento utilizado a pretexto de rasgar o Código Civil.

Acertada quer nos parecer a fulgente decisão representada pelos votos divergentes, estes que, aplicando corretamente o art. 2º do Código, em sua meridiana clareza, decidiram no exato sentido da lei: o de que não possui personalidade jurídica o nascituro, embora tenha assegurado determinados direitos, pois é indubitável, sem quaisquer esquivanças, que a personalidade civil da pessoa começa mesmo do nascimento com vida, cabendo àquele que ainda não nasceu mera expectativa de direitos, como, aliás, é o entendimento do STF ao julgar a autorização do uso de célula-tronco.

Já dizia Cícero que ?o magistrado é a lei falada, a lei é o magistrado mudo?. É claro que novos paradigmas foram quebrados, e aos

09/04/2010 04h02

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